Sobre
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Na minha pintura existe uma rejeição de todo o processo prévio na elaboração de um trabalho, isto acontece exactamente por considerar que ao haver um registo prévio para um resultado final, esse registo deve ser considerado por si só já na própria obra. O mais importante para a Arte Conceptual em termos de projecto é o registo desse mesmo projecto e não a sua execução, tornando a sua realização em algo desnecessária. De facto, dentro desta ideia, considero que o resultado final não fazia sentido, pois serviria apenas como redundância de um facto já esperado. O resultado final de uma obra, já era alcançado no seu registo e estudo prévio.
Uma obra não pode ser considerada como tal, apenas se for realizada enquanto peça. A peça é apenas o lado físico desse registo da ideia. E o registo da ideia pode ser a própria obra.
A Arte Conceptual põe em causa as definições da arte, porque considera que é na imaginação, no idealismo, na ideia geradora, no conceito que prevalece a arte e não na execução.
“Uma vez que a obra de arte é um sub-produto desse salto imaginário, pode perfeitamente ser dispensada, assim como as galerias de arte e por extensão o próprio publico. O processo criativo só precisa de ser documentado de alguma forma, geralmente verbal, ou pela fotografia, vídeo ou cinema”.
H.W.Janson- História de Arte
Mas é neste ponto que discordo com a maneira de pensar da Arte Conceptual.
Ao contrário da Arte Conceptual, o que vou privilegiar quando realizo os meus trabalhos pictóricos é o resultado final; a execução da obra em si, no seu aspecto mais físico e matérico, tendo como forma de trabalho a pintura.
No entanto, não digo, porém, que na criação de uma pintura, esta não devesse ter também o seu momento conceptual, de pensamento e construção da ideia. Apenas considero que não deveria existir nenhum momento entre o pensamento da ideia e a sua concretização numa obra final.
O registo desse pensamento através de um estudo ou processo prévio não permitiria uma liberdade na execução da obra, e esta estaria condicionada ao “primeiro” pensamento.
Considero que a construção da ideia deve ser realizada de uma forma directa na obra.
Assim, para mim, só deveria existir uma das duas possíveis atitudes na execução de uma obra; ou se assume o processo e estudos prévios como produtos finais; ou então o produto final torna-se no único veículo da criação.
A utilização das duas atitudes tornar-se ia numa redundância da ideia.
Segundo Sol Lewitt, quando um artista usa a forma conceptual da arte, significa, que todo o planeamento e decisão são feitos antecipadamente. E a execução é um acto superficial. A ideia torna-se na “máquina que faz a arte”. Este tipo de arte não é teórica ou ilustrativa de teorias: é intuitiva, por todos os tipos de processos mentais e sem um fim em vista. Está normalmente liberto da dependência da capacidade do artista como artificie.
“A arte é uma coisa mental”, é “reflexão filosófica desprovida de aplicação pratica”.
Cadernos de Historia da Arte -Porto Editora
Tento quando realizo uma pintura, ser orientada apenas pelos meus sentimentos mais emotivos e não pela programação de uma ideia pré-estabelecida, pois desta forma acredito que condicionaria e limitaria o meu trabalho.
Toda a inquietação, fascínio pelo momento da surpresa, na construção de uma pintura, era substituída pelo uso do processo criativo prévio.
Por isso tento abordar a pintura de forma directa, não trabalho a partir de desenhos nem faço esboços. A pintura deve ser algo imediato, directo; uma espécie de afirmação.
“As acções não podem ser antevistas ou descritas antecipadamente. Elas começam como uma aventura desconhecida num espaço desconhecido. É no momento do fim, que num instante de reconhecimento elas são vistas como tendo a quantidade e a função que se pretendia. As ideias e os planos que existiam na mente no início eram simplesmente a entrada através da qual se deixa o mundo onde elas ocorrem”.
Mark Rothko (1903-1970) “The Romanties were Prompted”
Como tentativa desta libertação, comecei por procurar novas formas de representação que não remetessem para uma ligação directa com objectos reais, como acontecia com a fotografia, mas procurava antes explorar a capacidade plástica dos materiais. Esta nova linguagem fez com que os meus trabalhos se voltassem cada vez mais para a abstracção.
Já não se tratava de uma desconstruçao ou simplificação de uma realidade, tornando o trabalho em algo abstracto, mas o de encarar o meu trabalho como um elemento já por si abstracto. Ou seja, algo que nasceu com essa intenção e preocupação de trabalhar com formas, textura, sobreposições, manchas, cor. E não tentar encontrar um motivo para chegar a essa mesma forma abstracta.
“…estava convencido de que o significado de um quadro não residia tanto no motivo que nele pudesse aparecer como num conjunto de relações formais internas”.
Esta nova atitude perante a minha pintura, fez com que, o que começasse a aparecer na minha tela não era apenas uma pintura mas uma acção, descrita sobre a forma de pintura, através da aplicação de um novo material (encáustica).
A minha atitude era algo semelhante a esta afirmação: “O pintor não se aproximava do seu cavalete com uma imagem na sua cabeça; aproximava-se com o material na sua mão para fazer alguma coisa ao material à sua frente. A imagem seria o resultado desse encontro”.
Considerava que a forma, a cor, a composição o desenho são auxiliares indispensáveis mas o mais importante seria a revelação contida no acto. O significado da obra fica resumido na sua presença física.
Considero como aspectos essenciais do acto criativo, a valorização da liberdade, da expressão de individualidade, da espontaneidade e da improvisação.
Robert Motherwell deu voz a este pensamento: “ Eu diria que a maior parte dos bons pintores não sabem aquilo que pensam até o pintarem.” ( Donald Davidson “Conhecer a Própria Mente”).
Para mim não faz sentido tentar criar assuntos, histórias, conceitos, temas, sobre aquilo que é ou pretende ser a minha pintura. A criação de um tema ou a criação de um estudo prévio como base para o desenvolvimento do meu trabalho não me interessa. Não trabalho a partir de uma imagem pré-concebida (“Uma tela na sua mente”).
As formas visíveis são muitas delas determinadas pela dinâmica interior do material e da técnica: a viscosidade da tinta, a velocidade, direcção do seu impacto na tela e a acção de várias camadas.
Devido à utilização da Pintura Encáustica, o que acontece na minha pintura é o registo do gesto da primeira pincelada, na medida em que a cera assim que aplicada na tela seca e mesmo com uma segunda aplicação, a primeira não se remove.
Todas as pinceladas registadas na minha pintura são o resultado do primeiro gesto aplicado na tela.
Mesmo sendo um processo de libertação, entre trabalhos figurativos e trabalhos que caminham para a abstracção, ao chegar a essa dita “abstracção”, apercebi-me de que esta (abstracção) não era o suficiente.
Sentia-me perdida face a tantas possibilidades de trabalhos. Tudo se tornava possível e facilmente justificável, por isso resolvi mudar alguns aspectos na minha estratégia para a pintura.
Constatei que a minha pintura pela sua ausência de forma/figura necessitava de algo mais do que a simples aplicação de mancha, textura, cor, através do realce da acção do gesto. Apercebi-me que no meio de tanta abstracção necessitava de uma “forma”; da introdução de um elemento que envolvesse o espaço da tela, quer pelo seu equilíbrio quer pelo seu desequilíbrio.
Tratam-se de formas que não se identificam com nenhuma representação do real, recorrendo tanto a formas geométricas simples como também a formas tiradas do imaginário. Estas novas formas, nem sempre definidas nos seus limites, justapõem-se com outras formas e com a textura da matéria que utilizo.
Assim quando realizo uma pintura, vou ao encontro não de um espaço completamente abstracto, sem nenhuma ordem aparente, mas com a preocupação em introduzir um outro elemento, dando outra forma à pintura.
A elaboração da composição das “formas” que introduzo é feita de uma forma cuidadosa e pensada, no entanto, esta é realizada de uma maneira directa. Ou seja, na própria tela, sem ter por trás um processo criativo elaborado, mas sim um pequeno apontamento mental de uma ideia. Criando desta forma uma total liberdade na actuação da pintura. Sem que esta perca toda a sua importância na acção da gestualidade. Assim, deste modo, continuo a não criar no acto de pintar, limites nem condicionantes.
Com a criação destas formas, queria também provocar uma espécie de jogo entre várias “cortinas”. Ou seja, numa leitura global dos meus trabalhos, encontramos neles a percepção não de uma “forma”, mas da leitura de várias “formas” que eu crio a partir da aplicação de diferentes camadas de matéria.
Essa leitura por camadas possibilita a visualização de todos os processos utilizados, incluído a sobreposição de cores, “formas” e texturas diferentes. E essa visualização é que caracteriza esse jogo de “cortinas”.
Através da execução do meu trabalho fui me apercebendo que cada vez mais não podia radicalizar tanto a questão do “acaso”.
Embora continuasse a considerar que a minha estratégia pictórica não deveria passar por um prévio processo criativo (fotográfico) onde contasse histórias, podendo desta forma, controlar e planificar demasiadamente o meu acto de pintar; também considero que não podia defender o meu trabalho baseado apenas em “formas irreais” tiradas do imaginário através de uma realização directa e espontânea na tela. A introdução de um novo elemento na tela obrigou-me a uma acção muito menos directa do que a que praticava, devido à conjugação a nível compositório das “formas” que utilizo.
Constatei, cada vez mais, que o caminho a utilizar na elaboração do meu trabalho pictórico, deveria ser um jogo entre um limite estratégico e outro. Por um lado, continuava a contrariar qualquer tipo de facilitismo para a minha pintura, através do processo criativo, que serviria apenas de base de cópia, inventado historias, conceitos à sua volta. Por outro lado, ao sentir-me perdida face a tantas possibilidades de execução do produto final, verifiquei que apesar de não aceitar controlar tudo no processo criativo, também não podia deixar tudo para planificar no acto de pintar.
E é neste sentido que considero que a minha estratégia se vai alterar. Uma vez que vou reconsiderar a possibilidade de um registo, mas sem que este se torne determinante para a minha pintura.
Tratar-se à de um estudo constante e diário quase como se fosse uma sucessão de esboços independentemente da elaboração dos trabalhos de pintura. Tornando-se assim numa pesquisa permanente, e não num estudo especificado para um ou outro trabalho pictórico.
Assim antes de partir para uma pintura, tenho como base uma série de pesquisas a nível compositório à volta das “formas” que represento nos meus trabalhos.
Vou à procura de uma nova possibilidade de trabalho para a realização desse “estudo” das “formas”. Utilizo este método para as elaborar por achar que se torna numa pesquisa menos manipulada por mim, proporcionando, desta forma, também alguma espontaneidade na sua construção. Vão ser figuras recortadas de uma forma aleatória, criando desta maneira as tais “formas” pretendidas sem que este processo, que acaba por não ser imposto por mim, mas pelo acaso das imagens, me condicionasse.
Tratam-se de recortes à volta de imagens reais existentes em revistas ou imagens encontradas, onde transformo essas imagens ou espaços envolventes, em imagens não identificáveis, ou seja, transformo-as em “formas irreais”.
Estes recortes que realizo resultam na elaboração de novas imagens, não manipuladas por mim, uma vez que se formam através do cruzamento de vários recortes realizados de maneira imprevista.
E assim quando parto para uma pintura, apesar de não usar estes recortes como cópias directas, estas servem como referencia; como apoio para o meu trabalho.
A nível da composição das “formas” sinto que com estes recortes e colagens, tornam-se em composições mais coerentes, eliminando previamente alguns erros de equilíbrio no espaço da tela.
Todo o fascínio que defendia devido à utilização directa da pintura, através do “acaso”, é ligeiramente alterada, uma vez que, realizo uma pesquisa prévia através dos recortes. Mas este pequeno estudo, é utilizado sem retirar a liberdade e espontaneidade do gesto e todas as suas consequências e acidentes que tornam a pintura num acto único e emotivo.
Utilizo as colagens como estratégias e não como processo criativo, onde através delas encontro as “formas” que pretendo, mas não faço dos recortes, estudos definitivos e programados, deixando, desta forma, uma margem de liberdade para que o acto de pintar não perca todo o seu fascínio de improvisação.
Com a estratégia das colagens sinto que por um lado não radicalizo tanto a questão do “acaso”; nem por outro lado condiciono a minha pintura com gestos mecanizados e previamente controlados.
ARTISTA PLÁSTICO
DANIELA FERNANDES
O meu projecto surge da necessidade que sentia em me libertar do uso constante da fotografia como processo prévio na elaboração da minha pintura.
O processo que utilizava através do estudo e recolha fotográfica servia-me apenas como base de cópia para a minha pintura. Ou seja, apesar de não se tratar de uma tentativa de representação mimética, a minha interpretação fase às imagens fotográficas ficava sempre muito aquém das possibilidades de interpretação.
Sentia-me tão fascinada pelas imagens que a nível da pintura não conseguia desenvolver nada de novo, somente a realidade das próprias imagens, tornando-se num processo previamente planeado, onde tudo era demasiadamente controlado e esperado.
Aquilo que acabava por produzir em termos pictóricos era a cópia de uma realidade que estava previamente estipulada. Podia alterar as cores, as posições dos objectos, etc., mas a imagem fotográfica estava lá representada.
Esta forma de investigação e criação pictórica levou-me à exaustão da representação da imagem devido ao seu processo mecanizado, programado e viciado.
E foi nesta instância que me apercebi de que algo tinha mudado na maneira como encarava a criação artística na minha pintura.
Desta forma iniciei o meu projecto com base nesta grande preocupação pessoal, provocada pela consequência do uso constante da fotografia como forma de representação para a minha pintura. Provocando em mim, uma necessidade de libertação pessoal.
Sentia a necessidade de criar uma linguagem própria, sem ter que utilizar a fotografia como base para a pintura, pois esta maneira de executar o meu trabalho bloqueava-me.
Para mim na pintura, o acto de pintar não se pode tornar num gesto repetitivo; mecânico; ou exageradamente programado, pois assim revelar-se ia numa pintura condicionada, limitativa.
Não digo porém que tudo em pintura devesse ser um acto espontâneo, emotivo. Apenas tento contrariar “vícios”, que possam condicionar o meu trabalho.
O projecto, a intenção, a ideia tem que estar presentes na preparação de uma obra, mas o seu esquiço final para mim não pode ser programado, pois desta forma este tornar-se ia na própria obra.
E isso era o que acontecia quando utilizava a fotografia e a programação prévia na criação da obra.
Em suma, existe aqui dois tipos de negação para a execução dos meus trabalhos pictóricos; uma é a negação do uso da fotografia, ou qualquer tipo de representação figurativa; outra é a negação de qualquer processo prévio que tornava o resultado final em algo esperado e programado.
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